quarta-feira, 2 de julho de 2014

FILME> ENCONTROS & DESENCONTROS (Lost In Translation)


Título Original> Lost In Translation
Direção> Sofia Coppola
Roteiro> Sofia Coppola
Elenco> Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris
Páis/Ano de Produção> EUA/2003
Produção> Sofia Coppola 7Ross Katz
Distribuidor> Universal
Lançamento nos EUA> 29 de Agosto de 2003
Lançamento no Brasil> 23 de Janeiro de 2004
Duração> 101 minutos
Orçamento> 4 milhões
Bilheteria Acumulada> -:-

O segundo filme de Sofia Coppola continua a explorar os meandros dos espaços infinitos que não permitem a aproximação e a completude das pessoas com elas próprias e com aqueles que as cercam. Depois da sensação de deslocamento e insegurança vista pelos olhos das adolescentes Lisbon, em Virgens Suicidas, agora temos como acréscimo a melancolia constante e o sentimento de fragmentação do adulto contemporâneo em Encontros e Desencontros.



O filme estende as questões sobre a existência humana e parece brincar com elas, porque, independente de sermos jovens ou adultos, permanecemos com os mesmos medos e inseguranças, a diferença é que em uma fase temos todos os sonhos e esperanças que o mundo comporta e na outra só resta o pragmatismo contemporâneo para justificar a existência humana. Pode haver razões para a irracionalidade dos exageros e arroubos das emoções juvenis, no entanto, o amadurecimento do ser humano surge imposto em sua existência, lhe cobrando, muitas vezes, ações incongruentes com suas experiências... não lhe permitindo, simplesmente, experimentar essa vida em todas as suas possibilidades.


A história segue Bob Harris (Bill Murray), decadente ator que está gravando um comercial em Tókio e seu encontro com Charlotte (Scarlet Johansson), jovem recém-casada, negligenciada pelo companheiro, um fotógrafo workaholic. São estrangeiros em um país onde tudo que os cercam não reflete nem o seu exterior e, tão pouco, seu interior. Quando não obtemos eco do ambiente onde estamos, começamos a procurar segurança nas nossas lembranças e pensamentos. No entanto, se este é frágil, surge a insegurança, o medo e a questão: quem sou eu? O que estou fazendo da minha vida?


     
Bob, Bill Murray surpreendentemente sincero e frágil, não está somente deslocado externamente; o incômodo “interno” é visível em seu intenso olhar, uma mistura de insegurança e procura infantil. Nos primeiros minutos do filme, seus olhos cansados parecem buscar algo que perdeu em algum lugar ou tempo e seu semblante triste é de alguém que não tem esperanças em encontrar "isto" novamente, seus “anos dourados” estão distantes - e o seu emprego o lembra disso constantemente - e agora só existe a melancolia negra e profunda da espera do inevitável.



Já a solidão de Charlotte está na firmação do que construiu até aquele momento em sua vida, resultando no seu precoce casamento. Seus sonhos, desejos e até sua própria personalidade parecem não ter muito valor para o seu companheiro. Então o que vale realmente a pena? Ela está naquela bifurcação da vida onde suas escolhas moldarão o rosto que ela irá encarar todos os dias no espelho – pode ser de alegria, de satisfação, de fracasso ou de tristeza. Em ambos os casos, de Bob e Charlotte, existe uma necessidade latente de “se encontrarem”, mas essa percepção só será possível se ambos forem “encontrados” ou percebidos na sua verdadeira existência, sem máscaras. E em um cenário totalmente estranho, é mais fácil, em toda a sua fragilidade, alguém olhar para você, sem as máscaras de pai, marido ou esposa dedicada; sem essa “vestimenta”, o que resta para explorar é só a essência.


Os dois, apesar de casados, são solitários e seus relacionamentos são mais sociais que sentimentais – em que pese o tempo e o comodismo no que se refere ao casamento de Bob e as expectativas e o medo de fracasso no de Charlotte. Mas basta um momento onde as armaduras estão recolhidas, um estado de presença, sem palavras, na sutileza e a sensibilidade de um verdadeiro olhar, para eles se “perceberem”, no sentido figurado ou literal da expressão. Isso tudo sem apresentações e formalidades, só a naturalidade e a honestidade que surgem inerentemente de uma boa companhia, tão rara nos nossos dias.

Este elo forte entre Bob e Charlote é uma resposta à necessidade de uma conexão verdadeira e única que as pessoas procuram. E em um país estrangeiro esse sentimento pode ser ainda mais forte. Há, com isso, a percepção de que as pessoas que deveriam se importar, escutar e apoiar você - no caso de Charlotte há o marido e a irmã; e, no caso de Bob, a esposa – não atendem às expectativas, e quando tentam não se dão ao trabalho de entender ou simplesmente ouvir... só resta o julgamento e a incompreensão. Então, o sentimento interno é de realmente estar falando outra língua. É doloroso quando, ao telefone, a mulher de Bob indaga a ele - "eu preciso me preocupar com você?", e ele responde - "só se você quiser"; resumindo, o relacionamento deles toma forma na praticidade de uma escolha, como o tipo de carpete do escritório – mais fácil essa decisão ao invés de procurar entender o comportamento de quem está do seu lado. No entanto,  é uma escolha o modo como construímos as relações e as mantemos. 

No outro extremo, Charlote busca de todas as formas entender o que está acontecendo com seu casamento e um dos conselhos que ouve é de um “guru” de auto-ajuda que justifica os acontecimentos a nossa volta com um determinismo conformista, onde, segundo ele, a vida teria sido planejada anteriormente em outro plano. Este pensamento é momentaneamente acalentador por não apontar culpados e nem exigir uma ação de mudança. Mais à frente, em sua prática de Ikebana, ela encontra a resposta que procurava e sua maior lição: no final, é você que decide como "construir" tudo; a beleza está em pensar na melhor maneira de encaixar as peças, com paciência e coerência, para que o resultado seja o mais perto que você conscientemente buscou, mas sempre unindo sua sensibilidade com sua racionalidade.

     
Quando os dois personagens colocam em cheque suas experiências, é perceptível que ambos começam a caminhar para um estado de sujeitos de ação. Bob, na sua maturidade e amargura, diz - "Quanto mais você sabe quem você é e o que você quer, menos deixa que as coisas o perturbem", e ela na sua insegurança e sabedoria responde - "Mas eu não sei quem eu sou". Quando Bob definiu sua personalidade, ele colocou muros à sua volta, não permitindo a possibilidade que houvesse mudanças em sua personalidade. É como se tornar cobaia de algum experimento de Pavlov, sempre respondendo aos mesmos estímulos até a morte. Charlotte, desde o início, é inconformista, ainda existe aquela fagulha de esperança que a coloca em movimento e, conseqüentemente, tem forças para tirar ela e Bob do estado letárgico. 


 Ao final percebe-se a diferença no semblante de Bob, seu ar de satisfação não por ter tido aquela experiência, mas por permitir-se vivê-la. A última cena de intimidade de ambos, abraçados no meio da multidão, com o primeiro beijo e palavras ditas no pé do ouvido – onde só eles sabem o que foi dito, em uma escolha sábia da diretora – é um grande modelo do amor moderno. É esse o recado que Sofia Coppola deixa, com um pouco mais de esperança que em Virgens Suicidas... a vida é como uma ikebana. Outra pessoa que olhar vai enxergar algo estranho, meio sem nexo, uns vão achar bonito e muitos outros vão julgá-lo feio e desengonçado, mas só quem montou sabe como foi difícil harmonizar os detalhes e deixar todo o conjunto belo no final. Talvez, com sorte, alguém olhe para o que você construiu, pare e tenha o mesmo sentimento de completude e compreensão, e a mensagem que Encontro e Desencontros deixa é que sempre tem, é só dar uma olhada mais cuidadosa à volta.
TRAILER> ENCONTROS E DESENCONTROS (Lost in Translation)

FILME> JOVEM & BELA (Jeune & Jolie)



Título Original> Jeune & Jolie
Direção> François Ozon
Roteiro> François Ozon
Elenco>Marine Vacth, Géraldine Pailhas, Frédéric Pierrot, Fantin Ravat, Johan Leysen, Charlotte Rampling, Nathalie Richard
Páis/Ano de Produção> EUA/2013
Produção> Eric & Nicolas Altmayer
Distribuidor> Europa Filmes
Lançamento nos EUA> 16 de Maio de 2013
Lançamento no Brasil> 22 de Novembro de 2013
Duração> 95 minutos
Orçamento> -:-
Bilheteria Acumulada>  -:-  



Após perder a virgindade nas férias de verão, a jovem Isabelle (Marine Vacth) inicia uma vida dupla, prostituindo-se sem que ninguém à sua volta desconfie. Desde a primeira cena do filme, é hipnotizante a beleza da protagonista do longa francês, e, com o decorrer da história de Jovem & Bela, o espectador é enlaçado por sua intrigante e curiosa personalidade, que mais parece uma esfinge enigmática que, presume-se, a qualquer momento quer devorar quem desafia suas ações.




Muitas das críticas que se observa sobre o filme focaram na curiosidade sexual da jovem e sua aparente incoerência dos atos com o ambiente em que ela vive. Desde o início é ressaltado a boa condição financeira e a união familiar como barreiras para qualquer tipo de ação marginal ou, no outro extremo, o vazio de significado que o sexo adquiriu na sociedade contemporânea, principalmente entre os jovens – aqui vislumbrado por alguns como uma fuga da melancolia da vida. Sem desmerecer tais perspectivas, acredito que François Ozon, diretor e roteirista do longa, julga menos o sexo e mais a cultura masculina dominante.


Isabelle traz no rosto os traços delicados de um anjo e seu comportamento contido e polido só esconde um espírito perspicaz e curioso. Em nenhum momento há uma expressão do que se julgaria imoral ou muito menos algo que forneça informações sobre seus desejos, bem diferente da protagonista em Ninfomaníaca, polêmico filme de Lars Von Trier. A cena no qual ela, na praia, se certifica do seu isolamento para fazer topless parece exemplificar o caráter de Isabelle – seus pensamentos e seu corpo não são e não devem ser públicos. Entre essa dicotomia e o relacionamento familiar esboçado, o incômodo que ficou ao final do filme foi: qualquer um(a) pode ser “puta”!  A mais antiga profissão, como dizem, pode ser exercida por sua irmã, mãe, tia. Se a única pergunta que martelar na cabeça do telespectador é “por quê?”, se entra num discurso infinito moralista com poucas e limitadas respostas; para ampliar a discussão, principalmente em uma obra de ficção, tem que se fazer um questionamento tão intrigante quanto o filme propõe: - Por que não?


Em perspectiva, o choque se dá por dois motivos: o personagem é feminino e se prostitui. Agora, tire o foco de Isabelle e coloque as mesmas experiências em Viktor, seu irmão caçula, igualmente jovem e belo e até poderíamos ter duas faces da mesma moeda, mas em uma sociedade machista a história não é bem assim. Ozon delineia isso ao filmar a masturbação feminina e masculina, as primeiras aventuras sexuais dos dois irmãos, ambos expostos pela perspectiva masculina, encarados com espanto no primeiro e com normalidade no segundo. Exemplo de uma sociedade patriarcal que dá o poder de dominar e exercer o domínio sobre o seu sexo e do outro, definindo papeis com regras pré-estabelecidas desde o momento que o pai e mãe descobrem o gênero da criança que vai nascer. Está arraigado os papeis esperados por cada um, sem indagações ou restrições e Isabelle parece perceber isso e busca ir além da compreensão racional. 


Não se sabe se foi a experiência de ver a separação dos pais ou perceber antecipadamente as pressões que existem sobre o gênero feminino um possível estopim de seus atos, talvez a simples percepção das restrições absurdas sobre seu sexo, proibindo-lhe de utilizá-lo sem rótulos, a tenha desafiado ir contra eles. E o primeiro adjetivo a cair é o de virgem; sua primeira experiência sexual é seca, física, sem qualquer emoção envolvida, a experiência pela experiência, resumindo, masculinizada.  Isabelle salta todo o drama e pressão que a cultura designa ao gênero feminino, de um prazer obrigatoriamente relacionado a ligações sentimentais, como sua melhor amiga retrata. Ao homem permite-se o sexo pelo simples prazer do ato, à mulher o prazer sexual deve vir imbuído de paixão e entrega, caso contrário, se ela quiser o gozo no mesmo patamar físico que o homem consegue só restará um rótulo para ela, o de prostituta.
  
     
No entanto, a escolha da prostituição não surge como um grito de revolta e sim de poder. Infelizmente nossa cultura não ensina e muito menos acolhe mulheres que busquem seu prazer, e, na minha leitura do filme, Isabelle sabe disso. Prostituir-se para ela é exercer o poder de tudo que a natureza lhe deu ao ser fêmea; cobrar por isso seria uma busca de balancear um jogo de regras e valores. A ilusão é daquele que se acha dominador, mas em um contexto onde não há viés para abusos sociais, Isabelle é quem dita às regras, seu corpo tem um preço e um tempo delimitado para uso. Se existe um vazio pós-coito, todos são expressos pelos frustrados homens que passam por usas mãos: o casado infiel, o fetichista e o senhor, que no fim da vida, se apaixona pelo alvorecer da sua juventude. Cobrar é uma forma de a protagonista sentir e mostrar quem tem poder, apesar de a prostituição ser uma linha tênue para isso, porém o fato só coloca em perspectiva quem é que dita as regras. 

O resultado, sutil, é aquela que só a ação além da inércia pode proporcionar àqueles que ousam além dos papeis sociais impostos. A primeira está no sepultamento da imagem materna: Isabelle é uma desconhecida para a mãe, no entanto, a jovem parece enxergar os pensamentos da progenitora, algo que causa espanto na mesma. Já para o namorado de Isabelle, ela é uma incógnita. No seu desespero de macho, não há meios de surpreender uma pessoa, na cama ou fora dela, que sabe tudo sobre como manipular os corpos e os sentidos. O embate final, entre Isabelle e uma das mulheres traídas, não aponta culpados, mas um vencedor.

No fim, François Ozon criou um filme sobre a descoberta da sexualidade e dos prazeres e dissabores da vida do que convencionamos chamar de jovem-adulto. Ao contrário dos diversos filmes juvenis com experiências transbordando drama e paixão, onde suas vidas são folhas soltas no rio do destino, em Jovem & Bela temos uma adolescente que decide ter a razão no comando. Cobaia de suas próprias experiências ela aprende, com o racionalismo de xadrezista, como funciona sua mente e, principalmente, a do outro. E isso tem um preço que não é moralista e sim, receoso. Ao ter seus atos descobertos, todos à sua volta ficam com medo, medo este que pode envolver o telespectador ao final, que procura respostas e não encontra... e não vai encontrar enquanto estiverem perguntando-se: por quê?

TRAILER LEGENDADO> JOVEM E BELA

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

FILME> TUBARÃO (Jaws, 1975)


Título Original> Jaws
Direção> Steven Spielberg
Roteiro> Peter Benchley, Carl Gottlieb
Elenco> Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss
Páis/Ano de Produção> EUA/1975
Produção> Universal Pictures
Distribuidor> Universal
Lançamento nos EUA> 22 de Junho de 1975
Lançamento no Brasil> 07 de Julho de 1975
Duração> 124 minutos
Orçamento> 8 milhões
Bilheteria Acumulada> 430 milhões (mundialmente)

Se o leitor perguntar quais foram os filmes que me levaram para este apaixonante vício cinematográfico, com certeza Tubarão vai estar no topo da lista. Ainda tenho lembranças daquelas infinitas e vazias tardes em frente à TV e o dia em que não me movi durante duas horas – algo bastante raro para uma criança entre seus sete e oito anos. Naquele nível máximo de simbiose com o sofá, estava boquiaberto com a cena de uma bela loira sendo arrastada violentamente por alguma coisa no mar. Entre seus gritos suplicantes por ajuda, uma trilha sonora angustiante ia, pouco a pouco, tomando conta do ambiente: aquele era o prenúncio da morte. E tudo nos 10 minutos iniciais. – Nossa! Pensei, fascinado e paralisado – Esse é dos bons! Neste dia experimentei, inconscientemente, toda a força do cinema hollywoodiano. Mal sabia que estava diante de um clássico que iniciaria uma era e revelaria um dos mais talentosos e criativos diretores de todos os tempos: Steven Spielberg. Sem dúvida nenhuma comecei com o pé direito.


Mas, segundo palavras do seu criador, “Tubarão é um divertido filme de se ver, mas não é tão divertido de se fazer”. Baseado no best-seller de Peter Benchley, o roteiro adaptado, escrito a quatro mãos, foi entregue a Spielberg, visto como um jovem promissor, que tinha no currículo somente alguns curtas e um filme feito direto para a televisão. Logo, se qualquer coisa desse errado não seria tão difícil achar o culpado. Mas a maior dor de cabeça do diretor, além do prazo e orçamento estourados, foi o protagonista do longa: Bruce, o tubarão mecânico construído para o filme, que teimava em não funcionar durante as filmagens. Há várias imagens na internet dos momentos de descanso da equipe enquanto o temperamental Bruce ficava cercado por mecânicos. Outro que tirou Spielberg do sério foi John Willians, responsável pela trilha sonora. Com os prazos no limite, Willians teve dificuldades em fazer o jovem diretor acreditar no seu trabalho final. Quando o músico tocou pela primeira vez o que havia vislumbrado para anunciar os ataques, Spielberg acreditou que aquilo era uma piada. Foi preciso ele ouvir uma série de vezes para entender que ali estava a alma e, posteriormente, a marca registrada de seu trabalho. 


Prontos para a estréia, mas não certos do sucesso, Tubarão chegou aos cinemas em 1975 com toda equipe receosa que a audiência caísse na gargalhada ao ver o grande peixe mecânico. Ledo engano. Tubarão foi o primeiro filme americano a ultrapassar a marca dos 100 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias e forjou o termo blockbuster ao denominar o fenômeno das enormes filas, que dobravam esquinas, formadas por pessoas nas portas dos cinemas para assistirem ao filme. Todas ansiosas para sentir aquele frio na barriga durante longos 120 minutos. 


Analisando friamente, Tubarão foi um grande tiro no escuro. Perceba: o enredo se passa em uma pequena cidade litorânea que se vê ameaçada por um grande tubarão branco que só vemos, praticamente, no final do filme. Quais as chances das pessoas embarcarem nisso, principalmente aquelas que, à época, mal conheciam o mar e muito menos tinham noção do que era um tubarão? Filmes de ficção têm seus seres gosmentos, os slashers, têm sua violência escatológica, mas não menos aterrorizante, baseado no lado obscuro dos homens. Mas dizer às pessoas que existe um assassino real embaixo das águas parece realmente um exagero. Ou não?


Recentemente resolvi embarcar nesta montanha russa novamente, queria observar se toda a minha fascinação pelo filme era devido a minha larga imaginação infantil ou se realmente o brilhantismo do longa ia me agarrar pelas pernas mais uma vez. Bem, constatei que o filme está longe de ser datado. Tudo nele é como um complexo quebra-cabeça onde é difícil imaginar como seria o produto final se faltasse uma das peças. Claro que Bruce não é tão verossímil assim depois de uma reprise, mas depois de mais de sessenta minutos de tensão, quando ele resolve aparecer você já está acreditando que aquele robô desengonçado é um temido assassino dos sete mares. Antes do apoteótico final, ao qual ele “sobe” em cima do barco, demonstrando quem é que manda naquele pedaço, ficamos realmente aterrorizados, porque simplesmente na maior parte do tempo só vemos a calmaria das águas sendo cortada por sua amedrontadora barbatana.

E a história nos permite, mesmo com um cenário tão improvável à época para os telespectadores, uma ligação. Martin Brody (Roy Scheider), o protagonista, decide aceitar o emprego de xerife da cidade litorânea de Amity com o intuito de fugir da violência das grandes metrópoles. Sua maior preocupação no novo emprego é em controlar brigas de vizinhos e garotos malcriados. Até o dia que encontram o corpo de uma jovem destroçada na praia. A sua luta se dá em duas frentes, se fazer acreditar diante daqueles que prometeu proteger de que algo maior os ameaça e não permitir que tamanha violência chegue à sua família. E, ao contrário de filmes de assassinos, onde existe um grupo específico que é perseguido, em Tubarão há algo que ataca indistintamente, de crianças a cães (algo raro de acontecer até em filmes do gênero).

Tubarão não deixa de ser o velho e conhecido bicho-papão ou, para nacionalizar mais, o homem-do-saco. Ele está sempre à espreita, como nossas mães e tias sempre fazem questão de lembrar, embaixo das nossas camas, dentro do guarda-roupa ou escondido em um canto escuro da casa. É o medo mais primitivo do ser humano. Não vemos, mas sabemos que ele nos vê e está lá, só basta um deslize para ele conseguir o que quer: pegar eu e você. A mensagem do filme é clara: a paz e a segurança são uma utopia social, criada pelos homens. O que existe é um pequeno véu de momentânea tranqüilidade. E o terror aqui é mais profundo e incontrolável do que aqueles que vemos pela TV nos noticiários, porque ele é natural. É um aviso da natureza lembrando que fazemos parte dela, e que além das leis racionais que seguimos, existe uma maior que nos rege. A música tema aterroriza por anunciar a violência, mas essa mesma violência chega sem avisos, sem trilha sonora, na vida real não vemos e nem ouvimos quando ela vem. Ela simplesmente desaba sobre nós. E quando, no filme, o homem decide tomar as rédeas da situação, indo à caça do monstro, a história revela que por mais que sejamos racionais nunca estamos preparados para enfrentar algo além da compreensão humana. A cena em que o experiente caçador Quint (Robert Shaw) é devorado vivo diante dos seus colegas de barco é uma exemplificação da reação humana diante dos desastres naturais, aqueles que o homem por séculos tenta entender, controlar, dominar... e não consegue. O erro é tentar racionalizar tais ações, o que pode levar a loucura; julgamos tudo isso violento, mas apenas tomando como parâmetro nossa própria concepção do mundo.

No primeiro rascunho do roteiro, a natureza vencia ao final. Os três caçadores sucumbiam diante da fome do grande tubarão branco. Produtores não gostaram e pediram mudanças, estas quais foram filmadas e aplaudidas durante as sessões de cinema. Depois de tanto sangue derramado, todos queriam vingança, queriam se livrar daquele medo incontrolável que permeava suas mentes. Os telespectadores têm a necessidade de sair do cinema com a sensação de segurança, que ao final tudo vai acabar bem, sempre. E isso foi dado ao público, que saiu satisfeito em ter seu medo dissolvido com a coragem e inteligência do homem representado pelo protagonista. Porém, observar os dois sobreviventes nadando, ao final, na imensidão do mar, acaba por deixar uma mensagem mais sutil. Ainda somos pequenos diante da grandeza da natureza. O mar acaba se tornando símbolo dos nossos maiores medos: imenso, desconhecido, cheio de possibilidades. E sobreviver mergulhado nele é uma batalha cruel, travada constantemente por qualquer coisa viva.

Spielberg voltaria ao tema décadas depois com Jurassic Park, onde, claramente, a sensação de controle é colocada como uma mera ilusão. Mas Tubarão, junto com Os Pássaros, de Hitchcock, é uma das muitas representações do medo que Hollywood soube tão bem massificar; o caso aqui é da natureza versus o homem, o terror mais primitivo, talvez o primeiro, e cada vez mais distante do nosso “seguro” cotidiano, mas que vez ou outra o cinema ou a própria natureza nos trata de recordar.


TRAILER> TUBARÃO (Jaws)

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CLÁSSICOS DO CINEMA> DOUTOR JIVAGO




Diretor> David Lean (1965)
Elenco> Omar Shariff, Julie Christie, Geraldine Chaplin
Duração> 197 minutos

O drama Dr. Jivago, um dos maiores épicos do cinema, tem como cenário a Revolução Russa. Ali, seguimos o idealista Jivago (Omar Sharif), médico e poeta que, casado com a aristocrata Tonya (Geraldine Chaplin), tem que conviver com os encontros e desencontros com seu verdadeiro Amor: Lara (Julie Christie).

Quando Doutor Jivago chegou aos cinemas, em 1965, ao contrário do que muitos pensam, não foi um sucesso imediato. Logo na primeira semana, os críticos olharam com antipatia a história de amor que atravessa a Revolução Russa, a ponto do Diretor, David Lean, jurar nunca fazer outro filme. Nada mais injusto, principalmente se observamos a grande jornada que a produção teve que fazer para chegar às telas.

Baseado no romance do autor russo Boris Pasternak, o calhamaço de quase seiscentas páginas, foi reduzido a um roteiro de cerca de 250 folhas por Robert Bolt. David Lean, depois do sucesso de Lawrence da Arabia, era o nome mais indicado para dar vida ao épico literário. Um dos primeiros entraves enfrentados foi a locação, o produtor Carlo Ponti desejava rodar na União Soviética, mas o governo proibiu. Lean visitou a Ioguslávia e os países escandinavos, mas a burocracia e o clima acabaram se tornando obstáculos para a produção. Assim, o filme teve que ser praticamente filmado na Espanha – os cenários que retratam Moscou demoraram cerca de 18 meses para serem construídos - onde não teve problemas com o tempo, mas sim com o momento político. Na época, a Espanha estava sobre o regime do general Francisco Franco, que acompanhou parte das gravações, causando um grande desconforto nos figurantes.

Enquanto ao elenco, existiam controvérsias entre os produtores e o diretor. Carlo Ponti queria sua mulher, a atriz Sophia Loren, no papel de Lara, David Lean não aceitou, alegando que a atriz era alta demais para o papel, ganhou Julie Christie. Omar Sharif tinha sido convidado para fazer Pasha, marido de Lara, e acabou recebendo de presente o médico poeta Jivago. Audrey Hepburn seria Tonya, desejo que se desfez depois que Geraldine Chaplin fez o teste para o papel, encantando o diretor.
A trilha sonora, um dos componentes fundamentais de Dr. Jivago, teve seus momentos de discussão. Lean não queria Maurice Jarre, achava o compositor francês muito meloso. No fim das contas, o Tema de Lara foi o grande chamariz do drama e vendeu cerca de 600 mil cópias na época do lançamento e arrematou o Oscar de Melhor Trilha Sonora.

Em renda, Doutor Jivago só perde para E o vento levou, ficando na segunda posição dos filmes mais rentáveis da MGM e, ajustado a inflação (de 2010), em oitavo em arrecadação.
Hoje, para os jovens cinéfilos, deve ser difícil acompanhar a tomadas longas e abertas de Dr. Jivago. Mas uma coisa não mudou, a história de amor que sobrevive a Revolução Russa e a guerra, não se tornou datado, emociona ainda por sua grandiosidade e beleza, característica típicas dos grandes épicos que o cinema, infelizmente, não produz mais.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

LIVRO> A ERA DA LOUCURA, de Michael Foley

Livro> A Era da Loucura
Autora> Michael Foley
Editora> Alaúde
232 p.

Opinião> Seria difícil, neste áureo século XXI, encontrar uma única pessoa que não esteja à busca daquele sentimento mais profundo, que traz satisfação e conforto, chamado felicidade. No entanto, com países colocando-a em sua constituição como um direito do cidadão – e que logo o Brasil deve fazer parte -, você não precisará procurar mais por essa, até então, abstrata condição; a Felicidade (isso mesmo, agora com letras maiúsculas), com forma e espaço a serem preenchidos, é exigível tal qual uma indenização por perdas e danos. E que seja paga com juros! 

É essa transformação de paradigmas e prerrogativas, que o filósofo irlandês Michael Foley discute no livro “A Era da Loucura – Como o mundo moderno tornou a felicidade uma meta (quase) impossível”. Não se engane com o título. Para aqueles que adoram livros de autoajuda, o autor é um crítico ferrenho a este tipo de literatura, onde há variáveis passos a serem seguidos para alcançar os mais absurdos objetivos. “A única receita é que não há receita”, afirma ele. 

Os que têm ojeriza à filosofia podem ter uma agradável surpresa. Com uma narrativa leve e cômica, Foley acaba trazendo graça para o que seria trágico e, por muitas vezes, colocando suas próprias ações em cheque. E buscar o entendimento através das suas próprias experiências é o melhor meio, segundo o autor, de chegar a um equilíbrio racional do querer e o poder.

Em cada capítulo, uma desconstrução. Foley fornece não só a lógica, mas diversas informações esclarecedoras sobre temas como trabalho, amor e envelhecimento, que tornam o senso comum um emaranhado ridículo de ideias manipuladas e manipuladoras. Em uma entrevista à revista Galileu, Foley desmistifica, por exemplo, a questão da transcendência nas religiões:  

“Transcendência é uma perda de si mesmo, uma imersão de si em uma unidade maior – e a sociedade moderna prefere tomar o atalho à transcendência por meio de álcool e drogas. Quanto à espiritualidade, não-crentes não devem permitir que isto seja reivindicado pela religião. Também pode ser uma espiritualidade ateia: essencialmente, um sentimento de admirar o milagre da existência consciente na galeria das maravilhas que é o universo.”  

Para o autor, a fuga de responsabilidades está tornando a sociedade infantil e individualista. Existe uma fuga progressiva das obrigações e uma busca por riqueza inesgotável, situação inversa pelo qual nossos pais e avós passaram. “O novo infantilismo tem contribuído para uma sensação cada vez maior de autovalorização e prerrogativa de direitos, e uma sensação cada vez menor de autoconhecimento e obrigação.” 

E autoconhecimento é uma das palavras chaves do livro. Um dos principais objetivos do autor é tornar o leitor consciente do que ocorre a volta. “Se a ignorância é o problema, a solução deve ser o conhecimento. Portanto, percepção é redenção. Compreensão é salvação”. E para não dizer que Foley não cedeu nenhuma receita para encontrar ou perceber essa tal felicidade, ele dá um conselho peculiar: Meditação. “O objetivo da meditação não é a quietude e a indiferença, mas a consciência, a prontidão, a clareza de propósito.”

Receita simples de ouvir, mas difícil de colocar em prática. Mas o próprio Foley rebate com maestria a nossa postergação de melhorarmos nosso ser é o pequeno universo que nos cerca; “tudo o que é excelente é raro e difícil de alcançar”. É; ninguém disse que seria fácil.

terça-feira, 15 de maio de 2012

LIVRO> NÃO SEJA BONZINHO, SEJA REAL - COMO EQUILIBRAR A PAIXÃO POR SI COM A COMPAIXÃO PELOS OUTROS, de Kelly Bryson


Livro> Não Seja Bonzinho, Seja Real
Autora> Kelly Bryson
Editora> Madras
302 p.

 "A força é a substituta universal da verdade. A necessidade de controlar os outros se origina da falta de poder, assim como a vaidade provém da falta de autoestima. A punição é uma forma de violência, uma substituta ineficaz do poder."

Opinião> Quantas vezes ao dia se colocam as máscaras de simpatia, bondade e solidariedade para com os outros, quando lá no fundo, na verdade, a pessoa queria estar fazendo o contrário? Por que é mais fácil falar um "sim" a contragosto do que um "não" espontâneo? Sem contar as várias situações onde se é "pressionado" a ceder continuamente - no emprego, com o chefe, no lazer, com os amigos e em casa, com a família.  E aqui se podem enumerar vários exemplos, dos aparentemente inofensivos, como quando a amiga, que está um pouco acima do peso, pergunta se está gordinha e o interlocutor, não querendo perder a amizade, diz que ela está ótima, até às mais drásticas, quando o relacionamento termina e uma das partes não sabe onde errou porque sempre fez 'tudo certo'. Com certeza as situações citadas são familiares em algum grau para qualquer pessoa; no entanto, as diversas formas de se encarar estas situações é que faz toda a diferença. E, geralmente, os estragos que uma palavra mal dita causa, podem ser contornadas com mudanças de atitudes sutis que traz um grande diferencial para todos. Esta é a proposta do livro “Não Seja Bonzinho, Seja Real - Como equilibrar a paixão por si com a compaixão pelos outros”, do terapeuta americano Kelly Bryson.

Mais do que um "livro de receitas" comportamentais e longe de ser um daqueles monólogos de autoajuda, Kelly Bryson traça detalhadamente um perfil que não é somente fácil de verificar em várias pessoas próximas como também é visível na nossa personalidade. Em uma de suas listas de identificação, o leitor poderá descobrir se está seguindo os passos para o Autossacrifício (ou, como ele diz ironicamente, como tornar-se um capacho) enumerando, entre outras características, as seguintes:

1.      Ouve mais do que gostaria;
2.      Faz o possível para evitar que os outros pirem;
3.      Trabalha para ganhar a vida em vez de tentar descobrir como divertir-se trabalhando.


É claro que o intuito disso tudo não é demonstrar os malefícios da bondade, e sim os efeitos que ela traz quando não mensurada conscientemente aos limites de cada indivíduo. Se as pessoas são sempre solícitas, talvez, o que move as suas ações não seja a vontade de ajudar, independente de recompensas e agradecimentos, e sim o medo inconsciente de magoar o outro e suas expectativas. Para o terapeuta, em um curto prazo essa desonestidade com os próprios anseios pode levar o indivíduo a descontar sua frustração em outras pessoas (que muitas vezes nem estão relacionadas com o problema) e a longo prazo pode consciente ou inconscientemente escolher outra opção mais destrutiva: o próprio corpo - através de vícios ou doenças.



Tudo começa na infância
Quando uma criança faz uma boa ação, como realizar as tarefas da escola ou lavar o carro no final de semana, naturalmente os pais podem recompensá-lo por sua boa vontade, porém, quando o inverso acontece ninguém vai reprimir o pai ou a mãe de castigar essa criança travessa. Jean Piaget já afirmava que "a punição torna impossível a autonomia da consciência", e segundo Alfie Kohn, autor do livro Beyond Discipline: From Compliance to Community (Além da Disciplina: da Complacência à comunidade) os efeitos repercutem na idade adulta "destruindo qualquer relacionamento respeitoso e amoroso entre o adulto e a criança e retardam o processo do desenvolvimento ético".  E a sedução por recompensa também não é uma atitude louvável, principalmente se a criança começa a barganhar seus deveres morais e éticos por prêmios. Em uma interessante analogia, Kelly Bryson diz que castigos e recompensas são como beber água salgada, "dá um alívio a curto prazo, mas a longo prazo piora tudo."

O livro “Não Seja Bonzinho” aborda outro paradigma na estruturação da personalidade na infância: o uso do poder dos pais para exigir determinados comportamentos dos seus filhos. O oposto do amor não é o ódio, mas o medo, e o respeito pela autoridade advém do medo das consequências por não cumprir as regras, quando o que deveria ser cultivado era o respeito verdadeiro advindo de uma natural 'reverência amorosa', ou seja, a bondade inerente da personalidade do individuo, sem afetações externas. 

A Comunicação Não Violenta
A cada capítulo, Bryson inquire o leitor sobre os seus comportamentos guiando-o para o papel de observador. Ao distanciar-se das ações como sujeito, tornando-se objeto de análise, fica mais fácil reconhecer vários modelos de ações e reações em sua grande maioria automáticas, para não dizer irracionais. Um dos primeiros passos para sair do estado de “vitimização” é reconhecer que o sofrimento não é causado pelo outro, mas pelas carências pessoais não supridas. Segundo o terapeuta, a técnica de Comunicação Não Violenta (CNV) seria uma das formas do indivíduo respeitar o espaço do outro sem que este invada o seu espaço.

Segundo o autor, “é melhor primeiro ter compaixão e amor apaixonados por mim e depois tenho compaixão e amor apaixonados quando os outros piram”. Em sua análise, ceder às vontades e desejos do outro é uma forma de violência que anula e oprime, levando muitas vezes ao ódio.

“Nessa cultura educada, o consentimento fingido permeia todas as áreas da vida. Há pessoas que dizem que irão a um compromisso, mas não aparecem, fazem promessas e depois as quebram e fingem ouvir, mas mentalmente estão em outro lugar.”

Para que a CNV ocorra de maneira natural é necessário duas características essenciais: presença e assertividade. Assim, da próxima vez que aquela amiga lhe perguntar sobre o peso dela, você não precisa mentir, dizendo que ela está ótima ou ser maldoso e chamá-la de gorda. Olhe para ela e diga o quanto gosta dela e que você está preocupado com sua saúde. Mostre empatia com sinceridade e não simpatia por dever. “Não Seja Bonzinho, Seja Real” demonstra que entre a guerra dos extremos do cotidiano, às vezes, é melhor pegar o caminho do meio.